Antes de se aposentar, o agricultor Espedito Eusébio de Souza, 73, percorria a pé 60 quilômetros do interior do Piauí até a divisa com Pernambuco em busca de “uma diariazinha aqui e outra acolá”. Desde que começou a receber sua aposentadoria rural, a seca deixou de ser motivo para medidas desesperadas. Primeiro porque ele não depende mais da pequena plantação de milho e feijão, ameaçada pela estiagem. Depois, porque ele conseguiu pagar, em parcelas, R$ 4.800 por um poço artesiano.
Espedito escapou das estatísticas da extrema pobreza e passou a ser “apenas” pobre ao entrar para o grupo das 9,5 milhões de pessoas beneficiadas pela Previdência Rural, que conta com um orçamento quatro vezes maior que o Bolsa Família.
“A Previdência Rural é o mecanismo mais importante de distribuição de renda e de redução das desigualdades, do ponto de vista regional e social”, afirma Guilherme Delgado, economista, ex-pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) e especialista na questão agrária.
As regras previstas na reforma da Previdência do governo federal colocam em risco esse que é considerado um dos mais importantes mecanismos de combate à desigualdade.
Há, ainda, uma contradição nas mudanças propostas pelo governo: o mesmo Estado que gasta recursos com o Bolsa Família cobraria dessas mesmas pessoas contribuição previdenciária. “É distribuir com uma mão e tirar com a outra”, afirma Alexandre Arbex, pesquisador do Ipea.
Outros especialistas discordam dessa visão. É o caso de Eduardo Zylberstajn, professor da FGV/EESP (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas). Ele diz que o sistema de Previdência Rural atual funciona na prática como um programa de distribuição de renda, como o Bolsa Família, mas isso é “um erro” e não deveria ser esse o propósito, em sua opinião.
Aposentadoria: um terço da redução da pobreza rural
Para entender quem são os beneficiados pela Previdência Rural, e quais seriam as consequências dessas mudanças, a agência Repórter Brasil passou quatro dias em Paulistana, no Piauí, município com o maior índice de aposentados rurais do Brasil. Na cidade de 20 mil habitantes, 37% deles recebem o benefício.
É ali, na zona rural dessa cidade do semiárido nordestino, que Espedito vive. Com a renda da aposentadoria, sua família saiu do grupo de aproximadamente 7,3 milhões de trabalhadores rurais brasileiros que vivem na miséria.
A antiga situação de miséria de agricultores como Espedito é amenizada pela Previdência Rural. Apesar de estar presente em apenas 30% dos domicílios no campo, o programa contribui com um terço da redução da pobreza rural nos últimos anos, segundo Arbex.
Ampliada com a Constituição de 1988, a Previdência Rural brasileira beneficia hoje 9,5 milhões de moradores do campo –metade deles no Nordeste e um quarto na região do semiárido, segundo cálculos de Delgado.
Além da redução da miséria, a Previdência Rural tem outro impacto claro: o estímulo à economia de pequenas cidades. “Se acabarem com as aposentadorias, 90% do comércio de toda a cidade será fechado”, diz o comerciante João Batista.
Apenas com as aposentadorias rurais, foram injetados em Paulistana R$ 77,7 milhões no ano passado, valor 59% maior do que a arrecadação total da Prefeitura, de cerca de R$ 46,2 milhões em 2015. O comércio é especialmente aquecido entre os dias 25 e 10 de cada mês –quando são pagos os benefícios do INSS e do Bolsa Família.
O prefeito da cidade, Gilberto José de Melo (PROS), conhecido como Didiu, também é comerciante, e tem a mesma percepção que os demais vendedores da cidade. “Antigamente, quando as aposentadorias eram de meio salário mínimo, não dava para nada. Quando passou a ser de um mínimo [com a Constituição de 1988], os comerciantes viram o dinheiro circular”, afirma.
A importância desses benefícios é semelhante em outras cidades do porte de Paulistana. A aposentadoria rural impacta diretamente a economia das cidades com menos de 50 mil habitantes, onde vivem 65 milhões de brasileiros. É nelas onde está a maior parte dos aposentados rurais: 4,7 milhões, o equivalente a 69% do total. Somente no ano passado, o INSS pagou R$ 49,2 bilhões a aposentados que vivem na zona rural dessas pequenas cidades.
Uol.