A cinco dias de prestar depoimento ao juiz Sérgio Moro como acusado na Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ironizou a investida da força-tarefa durante a abertura da etapa estadual do Congresso Nacional do PT, em São Paulo, na noite desta sexta-feira (5).
“As manchetes dos jornais diziam que o PT acabou e diziam que amanhã o Lula vai ser preso. Faz dois anos que eu estou ouvindo isso. Se eles não me prenderem logo, quem sabe um dia eu mando prendê-los pelas mentiras que eles contam“, disse o petista, em tom descontraído.
O ex-presidente é réu em uma ação penal na 13ª Vara Federal de Curitiba, sob a acusação de ter recebido propina da OAS, no âmbito do esquema de corrupção em contratos da Petrobras. Segundo a denúncia, Lula recebeu da empreiteira um tríplex no Guarujá (SP), além do pagamento do armazenamento de bens recebidos durante sua passagem pela Presidência da República. Lula nega todas as acusações.
“Eles não têm argumento, porque já estão com a tese pronta, que o PT é uma organização criminosa”, declarou Lula, que ainda chamou o tríplex de “uma Minha Casa, Minha Vida em cima da outra”.
O petista seguiu falando da Lava Jato. “Eles conseguiram aflorar em mim uma coisa que eu pensei que já tinha passado. ‘Tem tanta gente que eu vou parar de ser guerreira para as pessoas lutaram’. Mas na hora que eles resolveram tentar destruir uma biografia que eu não devo a eles, eu devo a vocês. O problema não é comigo, é com vocês.”
O ex-presidente também pediu que os correligionários prestassem atenção “ao que está acontecendo no Brasil”. “De um lado há um processo da Operação Lava Jato que quer destruir a política desse país, passar para a juventude a ideia de que política não presta. E quando fazem a pesquisa, o resultado é o crescimento de um fascista chamado [Jair] Bolsonaro [PSC-RJ]”, disse. O deputado federal apareceu em segundo lugar na última pesquisa da eleição presidencial da Datafolha.
O discurso foi aplaudido diversas vezes e acabou sob gritos de “o Lula é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo”. O evento ocorreu na Quadra dos Bancários, na Sé, na capital paulista, e reuniu militantes petistas para eleger a nova diretoria do partido no Estado.
“Doria almofadinha”
O ex-presidente também criticou o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), a quem chamou de “almofadinha” e “coxinha”. “Pergunte se ele já teve na vida uma carteira profissional assinada”, disse.
Lula aproveitou sua fala para fazer críticas ao governo Temer e ao Congresso Nacional –“estão fazendo um processo de demolição, é quase uma bomba de Hiroshima em cima dos direitos que nós conquistamos desde a metade do século passado”– e à Rede Globo.
“Quero concorrer contra um candidato da Rede Globo de Televisão. Eu e [a ex-presidente] Dilma Rousseff (PT) tivemos vários almoços com os Marinhos [família a quem pertence a emissora]. E nunca nos respeitaram”, afirmou.
O petista subiu ao palco sob gritos de “Ô, Lula, cadê você? Eu vim aqui só pra te ver” e “Lula, guerreiro do povo brasileiro”. Último a falar, ele se sentou entre a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), líder do partido no Senado e candidata à presidência da sigla, e o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, e foi aclamado pelos correligionários.
O uruguaio convocou os petistas a lutar contra o que chamou de novo tipo de ditadura e disse que no Brasil o PT e Lula foram “criminalizados”. Ele também pediu cautela com as alianças a serem feitas pelo partido.
A abertura do congresso trouxe o clima da principal bandeira do partido este ano: antecipar as eleições presidenciais e eleger Lula para a presidência da República. Segundo os petistas, Lula é vítima de uma “perseguição infame” e de uma “caçada”, e é preciso “barrar um novo golpe em andamento”, referência à expectativa de prisão do ex-presidente.
Durante o ato, o ex-ministro e ex-deputado federal José Dirceu, que deixou a prisão em Curitiba nesta quarta (3), também foi saudado pelo público como “guerreiro do povo brasileiro” e lembrado em discursos dos petistas, entre eles, Lula.
Cartazes, faixas e adesivos pedem a saída do presidente Michel Temer (PMDB) do cargo e aclamam Lula como o próximo presidente. Nas caixas de som, foram reproduzidos jingles de campanhas de Lula em 2002 e 2006.
Apoiado por Lula, o ex-prefeito de São Bernardo do Campo Luiz Marinho é o favorito para ser eleito neste domingo (7) presidente do diretório estadual da legenda.
Também participaram da abertura do Congresso o presidente nacional do PT, Rui Falcão, o senador Lindbergh Farias (RJ), e o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
Acusações na Lava Jato
Mais cedo, nesta sexta, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque afirmou em depoimento a Moro que Lula “conhecia e comandava tudo”. “Ficou claro, muito claro, nas três vezes, que ele [Lula] tinha conhecimento de tudo e que tinha o comando”, declarou.
A afirmação foi feita após o ex-diretor da Petrobras ser questionado sobre esquema de propina na construção de estaleiros. O ex-executivo afirmou que teve três encontros com o petista: em 2012, 2013 e 2014.
Texto publicado no site do ex-presidente Lula classificou o depoimento de Duque como “mais uma tentativa de fabricar acusações”. Procurado, o PT disse que não vai se pronunciar neste momento.
O ex-executivo da estatal comentou ainda que foi ele quem pediu os encontros com Lula e que ficou surpreso com o nível de conhecimento do assunto que o ex-presidente tinha.
“No último encontro, em 2014, com a Lava Jato em andamento, ele me chama em São Paulo, em um hangar da TAM e ele me pergunta se tenho contas na Suíça. Disse que a presidente Dilma recebeu a informação que um ex-diretor da Petrobras havia recebido um dinheiro da SBM. Daí eu disse que nunca recebi nada da SBM”, relatou Duque. “Daí ele vira para mim e diz: ´E das sondas, tem algo? Tinha, mas eu disse que não'”.
“Ele falou: ‘Presta atenção no que eu vou te dizer: se tiver algo, não pode ter, entendeu? Não pode ter nada no seu nome, entendeu?’ Entendi, mas o que eu ia fazer, não tinha mais o que fazer. Daí ele foi falar com a Dilma para tranquilizá-la. Mas, nas três vezes, ele tinha conhecimento de tudo e tinha o comando”, afirmou o ex-diretor.
Gravação de depoimento
Procuradores da força-tarefa da Lava Jato manifestaram seu posicionamento contrário ao pedido da defesa de Lula de mudanças na gravação do depoimento do ex-presidente na próxima quarta.
Os representantes do MPF (Ministério Público Federal) afirmaram também ser contra que seja permitido aos advogados do petista realizarem sua própria gravação do depoimento.
A defesa de Lula pediu à Justiça Federal que a câmera a registrar o depoimento focalize quem estiver falando no momento, em vez de estar parada no interrogado, como é comum nas audiências da Lava Jato. Eles pretendem ainda realizar a própria gravação, com som e imagem. (Com Estadão Conteúdo)