Especialistas da Fiocruz não descartam que lama chegue ao rio São Francisco

Equipes de resgate cruzam rio Paraopeba com águas rubras de lama depois do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
Equipes de resgate cruzam rio Paraopeba com águas rubras de lama depois do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

RIO — Apesar da instalação de filtros de contenção no rio Paraopeba e a expectativa de que a represa de Três Marias, na região central de Minas Gerais, retenha a lama de rejeitos liberada pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, a possibilidade do material atingir o rio São Francisco não está descartada e, caso a hipótese se confirme, a contaminação poderá afetar um número muito maior de pessoas. É a avaliação de especialistas da Fiocruz, que discutiram na manhã desta terça-feira os impactos da tragédia de Brumadinho na saúde pública. 

— A grande questão agora é se essa água contaminada alcançará também o Rio São Francisco. Vai ser um perigo. Várias cidades da Bahia, Alagoas, Sergipe e Pernambuco usam a água do São Francisco — alerta Christovam Barcellos, pesquisador Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde e doutor em Geociência. — Terá que ser mantido um programa muito bem executado de vigilância da qualidade da água, principalmente para metais pesados, o que não é rotina. Possivelmente chegará à represa de Três Marias (na região do São Francisco).

O governo federal informou poucos dias depois da tragédia que trabalhava com a hipótese de a lama não chegar à baía de São Francisco. Para evitar o avanço do material tóxico pelo rio Paraopeba, a Vale chegou a instalar três filtros para conter os rejeitos. No entanto, segundo Barcellos, a instalação de contenções no rio Paraopeba é insuficiente.

— A colocação de barreiras no rio é uma medida paliativa que não vai reter esses elementos tóxicos da água — alerta o cientista. — Não existe maneira de barrar a lama. Talvez a represa de Três Marias, por ser grande, retenha a lama. Se isso acontecer, a própria represa se tornará um problema daqui por diante, porque ela estará com o fundo carregado de metais pesados.

De acordo com Carlos Machado, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde da Fiocruz, o desastre exigirá o monitoramento constante das águas de pelo menos 41 municípios mineiros. Ao todo, 1,3 milhão de pessoas estão na iminência dos efeitos da contaminação.

— Se a lama atingir o rio São Francisco, a população atingida passa a ser muito maior. Para nós, atingidos não são apenas as pessoas que perderam suas casas — lamentou Machado.

A composição exata dos rejeitos da barragem que rompeu em Brumadinho ainda não é conhecida. O governo de Minas Gerais coletou amostras e deve divulgar os resultados em 15 dias. Além dos efeitos imediatos, como náuseas, vômitos e dermatites, a contaminação com metais pesados pode causar transtornos neurológicos a longo prazo, a depender da concentração.

— Não sabemos ainda a total composição dos metais pesados presentes nesta lama. Sabemos que já foram identificados mercúrio, cádmio e chumbo — explicou Machado, destacando que, se os níveis de contaminação por metais pesados forem altos, os efeitos podem ser identificados até dez anos depois da tragédia.

Barreiras da Vale não funcionam, diz ONG

Técnicos da Fundação SOS Mata Atlântica informaram na tarde de hoje que as barreiras de contenção da Vale não seguraram todo o rejeito que avança pelo rio Paraopeba rumo ao rio São Francisco. Análises em Pará de Minas, a cerca de 90 quilômetros da barragem de Córrego do Feijão, mostraram que as membranas instaladas pela Vale para tentar conter o rejeito não funcionaram como o esperado.

A SOS Mata Atlântica faz uma expedição para avaliar os danos ao Rio Paraopeba, e percorrerá 356 quilômetros do curso do rio. Em 11 pontos de análise já analisados, a qualidade da água é péssima. A equipe realizou medições antes e depois das membranas, para avaliar sua efetividade.

O Globo

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