As investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) reuniram novos indícios do envolvimento do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) com um suposto esquema de lavagem de dinheiro associado à prática de “rachadinha”, pela qual o parlamentar, quando era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), ficaria com parte dos salários dos funcionários do gabinete. O MP-RJ descobriu que Flávio e a mulher, Fernanda, pagaram R$ 638,4 mil em dinheiro vivo pela compra de dois imóveis no bairro carioca de Copacabana.
Em meio ao avanço das investigações, a defesa do primogênito do presidente Jair Bolsonaro entrou com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF). O recurso foi protocolado na noite de quarta-feira, horas depois de o MP-RJ cumprir 24 mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao senador, a seu ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz e a familiares de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro.
O ministro Gilmar Mendes, sorteado para analisar o pedido no STF, solicitou nesta quinta-feira (19/12) ao MP-RJ, “com urgência”, mais informações sobre as investigações. Também requereu dados do inquérito ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), onde recursos semelhantes do senador foram rejeitados. A defesa alega que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) quebrou, irregularmente, o sigilo bancário do parlamentar.
O inquérito do MP-RJ teve como ponto de partida um relatório do Coaf, que alertou para movimentações atípicas nas contas bancárias de Queiroz, por onde passou R$ 1,2 milhão entre saques e depósitos, entre janeiro de 2016 a janeiro de 2017. Os promotores descobriram que as contas do ex-assessor receberam vários depósitos de funcionários do gabinete ocupado por Flávio Bolsonaro na Alerj.
Um dos itens das investigações é a compra de dois apartamentos na Zona Sul do Rio pelo então deputado estadual e sua mulher, em 2012. Segundo o MP-RJ, a “lucratividade excessiva” nas operações, que renderam cerca de R$ 800 mil ao casal em pouco mais de um ano, apresenta sinais de compra subfaturada e venda superfaturada. Conforme o inquérito, o casal Bolsonaro teria pago “por fora” R$ 638,4 mil a um intermediário norte-americano na transação. Para os procuradores, a negociação teve o objetivo de lavar parte dos recursos obtidos ilicitamente por meio do esquema de “rachadinhas” na Alerj.
Segundo as investigações, os dois imóveis foram adquiridos no mesmo dia, em 27 de novembro de 2012. Ambos foram vendidos pelo americano Glenn Howard Dillard, que atuava como procurador dos proprietários dos apartamentos. Dillard foi processado posteriormente pelo também americano Charles Anthony Eldering, dono de um dos imóveis, por ter efetuado a venda sem autorização e por um valor declarado abaixo do preço de aquisição. Conforme as apurações, a venda do apartamento a Flávio, por R$ 140 mil, representou prejuízo de cerca de 30%, ou R$ 60 mil, a Eldering, que havia comprado o imóvel em 2011.
Sigilo quebrado
O MP-RJ apurou também indícios de que contas bancárias controladas pelo ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, foragido sob acusação de integrar uma milícia no Rio de Janeiro, foram usadas para abastecer o esquema de “rachadinha”. O uso dessas contas foi descoberto por meio da quebra de sigilos bancário e fiscal de Queiroz e da mulher de Nóbrega, Danielle Mendonça da Costa. Ela e a mãe do ex-militar, Raimunda Veras Magalhães, trabalharam no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj.
Segundo as investigações, Queiroz teria usado duas empresas controladas por Nóbrega para lavar dinheiro. Essas empresas, apuraram os procuradores, repassaram R$ 72 mil para contas bancárias do ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
O MP-RJ apontou também que pode chegar a R$ 1,6 milhão o volume de depósitos em dinheiro vivo na loja franqueada que Flávio Bolsonaro mantém em um shopping no Rio. O valor, para os procuradores, era desproporcional a negócios semelhantes. A entrada dos recursos, conforme as investigações, coincidia com as datas em que Queiroz arrecadava parte dos vencimentos dos funcionários do gabinete da Alerj. A loja de chocolates finos foi um dos endereços visitados durante a operação de busca e apreensão da quarta-feira.
O advogado Paulo Klein anunciou, nesta quinta-feira (19/12), que deixou a defesa de Queiroz. Em nota, ele afirmou que “não mais representa os interesses dele e de sua respectiva família, por questões de foro íntimo”. No comunicado, Klein disse que continua com “plena e absoluta convicção da inocência deles com relação aos fatos ora investigados pelo Ministério Público”.
“Um pequeno problema”
O presidente Jair Bolsonaro disse nesta quinta-feira (19/12) não ter “nada a ver” com as investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre atividades suspeitas do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ). Em frente ao Palácio da Alvorada, onde costuma conversar com apoiadores, o presidente chamou as investigações de “pequenos problemas”.
“O Brasil é muito maior do que pequenos problemas. Eu falo por mim. Problemas meus, podem perguntar que eu respondo. Dos outros, não tenho nada a ver com isso”, disse o presidente , ao comentar a operação de busca e apreensão executada, na quarta-feira, em endereços ligados ao seu primogênito. “Se eu afundar, vocês afundam juntos”, completou. Diante da insistência da imprensa, o chefe do governo propôs que os repórteres procurassem seu advogado, Frederick Wassef, que também defende Flávio.
Perguntado se considerava a atuação do MP-RJ uma perseguição ao seu filho, Bolsonaro envolveu o governador fluminense Wilson Witzel, seu adversário político. Ele afirmou que a inteligência do governo identificou uma gravação que tentou relacioná-lo a milicianos. “Vocês sabem o caso Witzel, que foi amplamente divulgado. A inteligência levantou. Já foram gravadas conversas de dois marginais usando meu nome para dizer que sou miliciano”, disse, sem dar detalhes da suposta gravação.
Preocupação
O presidente também falou sobre investigações que ele próprio enfrenta, como a relacionada ao crime de racismo, que acabou arquivada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Citou ainda a multa por crime ambiental por pescari em uma reserva ecológica e o depoimento de um porteiro que associou seu nome ao inquérito sobre a morte da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ).
“Ainda querem achar que eu estou no caso Marielle. Uma quarta-feira, em que eu estava em Brasília, não estava lá (no Rio). Vamos supor que se o João quisesse matar a Marielle no Rio, ele ia estar em Roraima naquele dia para dizer que não estava lá”, disse.
Os desdobramentos do caso Flávio agravaram ainda mais as preocupações do presidente, que tem se queixado a aliados de que as investigações fazem parte de uma manobra para atingir o governo. Conforme uma ordem repassada aos ministros, nenhum deles deve tratar do caso publicamente. O temor do presidente é de que as investigações sejam exploradas politicamente pela oposição.
Senador se defende
O senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) publicou nesta quinta-feira (19/12) um vídeo nas redes sociais para se defender das acusações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ). Ele negou envolvimento em um esquema de lavagem de dinheiro associado à prática de “rachadinha” — recebimento de parte dos vencimentos de funcionários — à época em que era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Além de negar as acusações, o primogênito do presidente Jair Bolsonaro criticou o vazamento das informações do processo, que corre em segredo de Justiça. Ele também se disse vítima de uma perseguição. Segundo o parlamentar, depósitos no total de R$ 2 milhões na conta do seu ex-assessor parlamentar, Fabrício Queiroz, foram feitos em um período de 12 anos. Flávio assegurou não ter relação com os fatos.
“Grande parte, a maioria esmagadora desses recursos são (sic) oriundas dos próprios parentes dele que trabalhavam lá também. Ele já falou isso publicamente, que geria os recursos da família. A família depositava o dinheiro em sua conta e ele fazia o que queria com o dinheiro. O que é que eu tenho a ver com isso?”, questionou o parlamentar.
Flávio negou também que tenha usado uma loja de chocolates, de sua propriedade, para lavar dinheiro. O senador e a mulher, Fernanda, são sócios em uma franquia no Via Parque Shopping, na Barra, Zona Oeste do Rio.
“Agora estão atacando a minha loja de chocolates, que foi comprada com recursos meus e da minha esposa. Tudo declarado no Imposto de Renda e informado à Junta Comercial (…). Se eu quisesse lavar dinheiro iria abrir uma franquia, que tem um controle externo da franquiadora e auditoria? Iria abrir uma outra atividade qualquer que não devesse satisfação para ninguém. Se eu fosse vagabundo, como muitos pensam, você acha que eu ia estar preocupado em abrir uma franquiazinha, um negócio particular fora do meu mandato? Eu sempre fiz tudo direitinho dentro da lei”, afirmou o senador na gravação.
Ele acrescentou que depósitos feitos pelo PM do Rio Diego Sodré de Castro Ambrósio na conta da loja de chocolates, no total de R$ 21,1 mil, se referiam ao pagamento de produtos do estabelecimento comercial, adquiridos pelo policial para presentar clientes nas festividades de dezembro.
Flávio também negou que utilize negociações com imóveis para lavar dinheiro. “Só porque eu consegui comprar um apartamento num preço bom, eu estou lavando dinheiro com imóveis agora? Para que todos entendam: são duas quitinetes que eu comprei, de 29 metros quadrados, sem vaga na garagem, ‘cacarecadas’, lá em Copacabana. Eu comprei de um grupo de investidores americanos que estava saindo do Brasil, e óbvio que eu consegui negociar um preço melhor porque foram dois imóveis do mesmo vendedor. Eu não posso comprar mais barato? Tenho que comprar mais caro pra não ter suspeita?”, questionou.
CB