Uma nota enviada pela assessoria do deputado fluminense Daniel Silveira (PSL), preso pela Polícia Federal (PF) no fim da noite desta terça-feira (16), afirma que ele não cometeu crime, sob a alegação de que palavras de parlamentares são invioláveis.
O parlamentar divulgou um vídeo no qual faz apologia ao AI-5, instrumento de repressão mais duro da ditadura militar, e defende a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que é inconstitucional.
A prisão foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes. Na decisão, Moraes definiu que o mandado deveria ser cumprido “imediatamente e independentemente de horário por tratar-se de prisão em flagrante delito”.
Moraes entendeu que, como o vídeo permanecia no ar e era replicado nas redes sociais, havia flagrante permanente. O ministro também determinou que não cabe fiança nesse caso.
Silveira foi preso em Petrópolis, na Região Serrana do RJ, e foi trazido em um comboio da PF para a capital. Após fazer o exame de corpo de delito no IML, foi encaminhado para a Superintendência da PF, na Praça Mauá, onde estava até a última atualização desta reportagem.
No vídeo, Silveira ataca Moraes e outros cinco ministros do Supremo: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli.
Moraes determinou ainda que o YouTube retire o vídeo do ar, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, e ordenou que a polícia armazene cópia do material. A decisão deve ser analisada pelo plenário do STF na sessão desta quarta (17).
‘Ataque à imunidade’
A nota do deputado afirma ser “evidente o teor político da prisão”.
“A prisão do deputado representa não apenas um violento ataque à sua imunidade material, mas também ao próprio exercício do direito à liberdade de expressão e aos princípios basilares que regem o processo penal brasileiro”, escreveu a defesa.
“Os fatos que embasaram a prisão decretada sequer configuram crime, uma vez que acobertados pela inviolabilidade de palavras, opiniões e votos que a Constituição garante aos deputados federais e senadores”, prosseguiu.
A assessoria do deputado pontuou ainda que “não houve qualquer hipótese legal que justificasse o suposto estado de flagrância dos crimes teoricamente praticados. “Tampouco há que se cogitar de pretensa inafiançabilidade desses delitos”, continuou.
Câmara pode mandar soltar
Mesmo em flagrante e por crime inafiançável, a prisão de um deputado federal precisa passar pelo crivo da Câmara.
Na decisão, Moraes diz que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), deve ser “imediatamente oficiado para as providências que entender cabíveis”.
Deputado Daniel Silveira é preso por ordem do STF
A decisão de Moraes
Na decisão, Moraes afirma que o deputado tem conduta reiterada no crime e cita que Daniel Silveira está sendo investigado a pedido da PGR por ter se “associado com o intuito de modificar o regime vigente e o Estado de Direito, através de estruturas e financiamentos destinados à mobilização e incitação da população à subversão da ordem política e social, bem como criando animosidades entre as Forças Armadas e as instituições”.
Para o ministro, a reiteração dessas condutas por parte do parlamentar revela-se gravíssima, pois atentatório ao Estado Democrático de Direito brasileiro e suas Instituições republicanas.
“Imprescindível, portanto, medidas enérgicas para impedir a perpetuação da atuação criminosa de parlamentar visando lesar ou expor a perigo de lesão a independência dos Poderes instituídos e ao Estado Democrático de Direito”, afirmou Moraes.
“A Constituição Federal não permite a propagação de ideias contrárias a ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, artigos 5o, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestações nas redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, artigo 60, §4o), com a consequente, instalação do arbítrio”, escreveu o ministro.
Moraes afirma que a liberdade de expressão e o pluralismo de ideias são valores estruturantes do sistema democrático, mas que “são inconstitucionais as condutas e manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; quanto aquelas que pretendam destruí-lo, juntamente com suas instituições republicanas; pregando a violência, o arbítrio, desrespeito à Separação de Poderes e aos direitos fundamentais”.
Na decisão, o ministro apontou que o flagrante está configurado porque há, “de maneira clara e evidente, a perpetuação dos delitos”.
“Relembre-se que, considera-se em flagrante delito aquele que está cometendo a ação penal, ou ainda acabou de cometê-la. Na presente hipótese, verifica-se que o parlamentar Daniel Silveira, ao postar e permitir a divulgação do referido vídeo, que repiso, permanece disponível nas redes sociais, encontra-se em infração permanente e consequentemente em flagrante delito, o que permite a consumação de sua prisão em flagrante”.
Moraes pontuou ainda que, como estão presentes os requisitos da prisão preventiva, não há possibilidade de fiança. Como estão configurados tanto o flagrante quanto a impossibilidade de fiança, concluiu o ministro que a situação do parlamentar se encaixa na previsão da Constituição de que parlamentares só podem ser presos em flagrante por crime inafiançável.
O ministro do STF classificou de ardorosa, desrespeitosa e vergonhosa a defesa defesa pelo deputado do AI-5.
“Não existirá um Estado democrático de direito, sem que haja Poderes de Estado, independentes e harmônicos entre si, bem como previsão de Direitos Fundamentais e instrumentos que possibilitem a fiscalização e a perpetuidade desses requisitos. Todos esses temas são de tal modo interligados, que a derrocada de um, fatalmente, acarretará a supressão dos demais, trazendo como consequência o nefasto manto do arbítrio e da ditadura, como ocorreu com a edição do AI-5, defendido ardorosa, desrespeitosa e vergonhosamente pelo parlamentar”.
Os crimes apontados
A Constituição Federal diz, no parágrafo segundo do artigo 53, que “os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”.
Na decisão, Moraes diz que as condutas de Daniel Silveira, além de representarem “crimes contra a honra do Poder Judiciário e dos ministros do Supremo Tribunal Federal”, são previstas como crimes na Lei de Segurança Nacional.
Para Moraes, os crimes configurados na conduta do deputado são:
- tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito;
- tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados;
- fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;
- Incitar à subversão da ordem política ou social; à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; incitar à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei [de Segurança Nacional];
- caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
O vídeo do deputado
Deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) divulga vídeo com ataques à ministros do STF
No vídeo publicado, o deputado defende a conduta do general Eduardo Villas Boas, ex-comandante do Exército. Em 2018, na véspera do julgamento no Supremo de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Villas Boas afirmou em rede social que o Exército tinha “repúdio à impunidade”.
A declaração foi vista como pressão sobre os ministros do STF. Fachin era o relator do pedido de liberdade de Lula, rejeitado pelo plenário da Corte.
Em livro recém-lançado, o ex-comandante disse que, na época, a manifestação foi discutida com o alto comando do Exército antes de ser publicada.
Nesta segunda-feira (15), Fachin reagiu em nota dizendo ser “intolerável e inaceitável qualquer forma ou modo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário. A declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima e atenta contra a ordem constitucional. E ao Supremo Tribunal Federal compete a guarda da Constituição”.
Daniel Silveira está no primeiro mandato como deputado federal. Eleito em 2018, o ex-policial militar ficou conhecido por aparecer em vídeo destruindo uma placa que homenageava a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio em março daquele mesmo ano.
O parlamentar é investigado no Supremo no inquérito que apura a organização e o financiamento dos atos antidemocráticos. Também é alvo de outro inquérito, que investiga ataques a ministros da corte e disseminação de notícias falsas.
No ano passado, ele foi alvo de busca e apreensão e teve seu sigilo bancário quebrado em desdobramento do inquérito que apura os atos que defendiam o fechamento do Congresso e do Supremo.
No pedido de investigação, a Procuradoria-Geral da República aponta que o deputado pregou o uso das Forças Armadas contra o Supremo e que há uma ligação dele com movimentos extremistas conservadores.
O vice-líder do PT na Câmara, deputado Rogério Correia (MG), afirmou que entrará nesta semana com uma representação contra Daniel Silveira no Conselho de Ética da Casa devido às declarações. G1