Do Extra – Há 50 anos, Belchior ganhava um festival estudantil de música com “Na Hora do Almoço”. A letra, um grito imaginário de socorro de um jovem diante do silêncio de uma família à mesa, com seus segredos e suas mazelas, tem preenchido alguns momentos reflexivos de João Gomes na estrada.
O atual fenômeno do piseiro, número 1 nas plataformas digitais, talvez nem imaginasse que os versos que cita, cantando (“minha avó me chama. É hora do almoço”), teriam mais em comum com sua vida do que a parte que entoa com seu vozeirão grave, que parece carregar junto da novidade que ela representa no cenário do forró, uma melancolia, algo meio empoeirado, que nem terra seca.
“Choro quando escuto essa música… Belchior, de forma geral. Não que eu esteja triste, não. Pelo contrário. Estou muito feliz. Feliz de verdade com tudo que estamos conquistando. Mas são momentos em que lembro o que passei para chegar até aqui, da família, e passa um filme”, observa ele, que virou fã do cantor cearense através dos rappers que escuta.
Aos 19 anos, João não venceu um concurso de música como uma de suas referências, mas estourou. Como representante de uma geração em que o mundo digital é a grande vitrine, foi fazendo vídeos com um celular caquerado (”só filmava de dia”) que ele ganhou as primeiras curtidas de colegas, músicos e público na região de Petrolina, em Pernambuco, para onde se mudou bem pequeno.
Entre um vídeo e outro, João passou a cantar em festas regionais, como as vaquejadas. “A gente ia na cara e coragem mesmo. Meu amigo Mario com uma sanfoninha velha, um ou outro amigo com instrumentos e eu cantando. Na primeira vez, a gente só sabia três músicas. Acabava, e a gente trocava de caminhão (na vaquejada é comum que os donos de animais tenham caminhões para transporte dos cavalos e nas festas os transformem em minipalcos). Devo ter cantado nuns 50 caminhões, viu?”, diverte-se.
O nome de João começou a correr o circuito dos vaqueiros. Além de cantar, ele compõe. E a primeira escrita, “Eu Tenho a Senha”, tinha sido gravada por Tarcisio do Acordeón, bem famoso no eixo Norte-Nordeste. Ou seja, faltava o menino aparecer e alguém para acreditar. “Eu tinha uma promessa do empresário, que me pedia sempre paciência. Às vezes, pensava em voltar pra lavoura, terminar meus estudos em agropecuária e esquecer disso tudo. Mas a música sempre falou mais alto dentro de mim, eu nem sei dizer o motivo. Eu era criança, ouvia o rádio e pensava: ‘Será que um dia vou ter capacidade de fazer música assim?”, relembra.
Teve. Meio cabisbaixo, desacreditado em si mesmo,ouviu do pai a frase que transformaria a ansiedade em inspiração. “Ele viu que eu estava meio triste em ter vendido a primeira música e ainda não ter gravado o CD prometido, e me falou: ‘Não pense nisso, não. Que daqui a pouco você escreve outra e vai ser melhor que essa ainda”. Parece que ele tirou um peso de mim”, conta
No dia seguinte nascia “Meu pedaço de pecado”, que virou hit, caiu na boca de artistas famosos e colocou João nas paradas, entre os grandes. Contrato assinado, investimento na carreira. Só faltava uma coisa.
“Quando começamos, prometi ao Jeovanny (sanfoneiro) que assim que pudesse daria a ele uma sanfona nova. Ainda não tinha conseguido”, recorda. No mesmo dia em que chegou seu primeiro ônibus, plotado com seu rosto, para as viagens com a banda, também chegou a sanfona do amigo: “Acho que chorei mais por ela do que pelo Galegão”.
Galegão é o nome do veículo. Embora João agora já tenha um segundo, já que o primeiro ficou pequeno para as 26 pessoas que estão no palco com ele. E se tem uma coisa que ele não abre mão é de ter os seus nas mesmas condições que ele. “Não faço nada sozinh, meus amigos estão comigo. Começamos juntos, vivemos o ruim juntos, e agora estamos vivendo o que sonhamos. Minha responsabilidade é muito grande. Com eles, com a família deles, com o trabalho”, enumera o cantor, que ainda sendo um garoto carrega a maturidade de quem já viveu demais.
Quando estava na barbearia, recebia R$ 10 por dia para varrer o chão. O pai nunca quis que João tivesse a mesma profissão que o avô teve, repetindo assim uma tradição, quase sina familiar. A avó paterna, com quem João morou a partir dos 14 anos, tinha medo de o neto quebrar a cara. A mãe idem. Pedia para ele estudar. “Meu plano A sempre foi trabalhar com agricultura. Passei no Instituto Federal do Sertão para cursar Agropecuária e meu futuro seria na roça”, diz.
A terra, porém, não será abandonada. João quer, no futuro, “ter uma roça para viver como o avô”. Até lá, espera pisar em todos os palcos que puder. Agenda lotada. Segundo fontes do mercado, os shows que começaram em R$ 80 mil, hoje já chegam a R$ 400 mil dependendo da data.
João não se empolga a falar de dinheiro. “Se eu quisesse hoje eu poderia ter uma picape, um carrão. Mas para quê? Estou na estrada e não ia poder dirigir. Podia comprar um casarão, com piscina e tal, mas nem iria conseguir dormir um dia nela, pois passaria o mês viajando. Sou muito pé no chão”, garante: “Prefiro arrumar a casa da vó, levantar a laje da casa do meu pai…”.
A simplicidade de João está até nas roupas com as quais se apresenta. “Uma botina de vaquejada que não tiro do pé, uma calça, uma camisa polo e um boné”, descreve. Boné, inclusive, virou marca registrada. Tem um monte, mas só usa dois. E alguns até com propaganda de um comércio local de onde ele esteja.
Aplaudido por Neymar, Hulk, Ivete Sangalo e Wesley Safadão, ídolos da sua infância, João jura que não se deslumbra. Tímido, coloca nas músicas românticas que faz a saudade do que ainda não viveu. Namorada ele garante que não tem. “Me apaixono na mesma velocidade que desapaixono. Aí, vira música”, explica, maroto.
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