As investigações da Polícia Federal (PF) sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado no país descobriram um documento de inteligência, produzido pelo ex-ministro da Justiça Anderson Torres, com mapa detalhado dos locais onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu o primeiro turno das eleições de 2022. Segundo a apuração da PF, o objetivo era impedir que os eleitores dessas regiões votassem na segunda etapa do pleito, em 30 de outubro.
A informação foi divulgada, ontem, pelo jornal O Globo e confirmada pelo Correio. O relatório teria sido produzido pela então diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a delegada federal Marília Alencar, que, posteriormente, se juntou a Torres na Secretaria de Segurança do Distrito Federal como subsecretária de Inteligência.
Para os investigadores, o material elaborado por Marília serviu para que o ex-ministro colocasse em prática um plano para atrapalhar a votação e autorizou a operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF), no segundo turno da corrida presidencial. Em 30 de outubro, eleitores de municípios do Nordeste — onde Lula teve mais votos do que Jair Bolsonaro — usaram as redes sociais para denunciar ações da PRF, nas estradas da região, para retardar o trânsito rumo às zonas de votação.
Foram, centenas de denúncias de barricadas da PRF em vários pontos para causar a retenção da movimentação de veículos. A PF abriu um inquérito para investigar a atuação de Silvinei Vasques, então diretor-geral da PRF, no caso — os bloqueios foram suspensos depois que ele foi ameaçado de prisão pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É também averiguada a conduta omissa de Silvinei nos bloqueios de rodovias federais por bolsonaristas.
O avanço das investigações complica a situação de Anderson Torres. Ele está preso desde os atos terroristas de 8 de janeiro, em Brasília, e, em sua casa, a PF encontrou a minuta golpista — que, em depoimento, ele classificou como “lixo”. O documento defendia a decretação de Estado de Defesa no TSE para mudar o resultado da eleição presidencial e dar a vitória a Bolsonaro.
Dossiê
Citada na investigação sobre a elaboração de um golpe de Estado, Marília chefiou a Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, durante o governo Bolsonaro. Em 2020, ela elaborou o chamado “dossiê antifascista”, com informações sobre servidores identificados críticos às ideias de Bolsonaro.
O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os integrantes da Corte consideraram o dossiê um “desvio de finalidade no uso da máquina pública para produção e compartilhamento de informações” sobre servidores que se opunham ao governo Bolsonaro. À época, o Ministério da Justiça tinha à frente o hoje ministro do STF André Mendonça.
Marília foi convocada a depor na CPI dos Atos Antidemocráticos na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Questionada sobre suas simpatias pelo ex-presidente, ela negou que seja bolsonarista.
“Não me considero nada. Tenho meu voto, que é secreto. As minhas convicções políticas não interferem no meu trabalho e não estão em questão”, argumentou.
Em janeiro, a delegada já tinha sido ouvida pela PF. O deputado distrital Chico Vigilante (PT), presidente da CPI, destaca a ligação de Marília com Torres. “Ela fazia parte da equipe desde o Ministério da Justiça. Portanto, para mim, está claro, pelo que tem surgido de matérias e outras informações, que eles tentaram atrapalhar as eleições, planejaram dificultar a chegada dos eleitores nas urnas. E, depois, quando falharam nesse objetivo, se aliaram para dar um golpe”, disse ao Correio.
CB