Lula, 100 dias: os erros e acertos na relação do governo com as instituições

Nesta segunda-feira 10 de abril, o governo Lula (PT) completa 100 dias no comando do País e, na avaliação de cientistas políticos consultados por CartaCapital, conseguiu reconstruir pontes importantes com instituições como o Congresso e o Judiciário, abaladas pela atuação de Jair Bolsonaro (PL) ao longo dos últimos 4 anos.

A percepção de que o balanço é positivo é consenso entre os estudiosos consultados pela reportagem, visto que Lula teria partido de uma terra arrasada deixada pelo ex-capitão e hoje circula e negocia sem tantos obstáculos em Brasília. Há, evidentemente, arestas importantes a serem aparadas. Neste sentido, porém, o pouco tempo que 100 dias representam em relação ao período total de mandato pesa a favor do presidente na avaliação.

“No que diz respeito às relações de Lula com instituições, entre os Poderes, temos uma mudança muito expressiva [em comparação ao governo anterior] que precisa ser colocada. Lula não ataca ninguém como fazia Bolsonaro, por vezes ele tenciona com alguns atores políticos, mas não faz ameaças democráticas, como de não cumprir ordens judiciais ou fechamento de jornais no relacionamento com a imprensa”, compara Jorge Chaloub, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa do curso de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Segundo o professor, ‘essa postura de Lula muda tudo’ porque Bolsonaro trabalhava justamente na lógica contrária, ‘de constante de ataques a inimigos, com discurso de que a esquerda estaria infiltrada em todas as instituições’. “Isso fez com que o Executivo se isolasse, tornando o diálogo cada vez mais escasso entre os Poderes ou outras instituições, como a imprensa”.

Chaloub pondera que a mudança expressiva não significa que Lula teria conseguido superar todas as divergências existentes entre os Poderes e instituições, mas que conseguiu reconstruir um clima de maior disposição para o diálogo em busca de soluções. “Pontes que tinham sido destruídas foram refeitas”.

Avaliação semelhante faz Josué Medeiros, coordenador do Núcleo de Estudos Sobre a Democracia Brasileira (NUDEB) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro:

“É um governo de reconstrução, então temos que fazer balanço sempre nesta ótica, com isso em mente”, alerta. “Lula conseguiu avanços que considero significativos porque, deste ponto de vista, é um período curto para reconstrução nacional”, reforçou o professor. “Temos que pensar que foi preciso reconstruir o tecido social, as instituições, os próprios ritos da política, além de políticas de meio ambiente, da dignidade da vida…Então eu acho que, nesse sentido, o balanço é muito positivo.”

Para Medeiros, o sentimento de que os primeiros 100 dias de governo Lula são tão positivos se deve também à postura dos Poderes diante dos ataques bolsonaristas em Brasília no dia 8 de Janeiro. Com a tentativa de golpe, defende, as diferenças entre os dois governos ficaram ainda mais perceptíveis e exacerbadas.

“Para além dos 4 anos de distanciamento de relações, o dia 8 de Janeiro liderado pela extrema-direita levou Lula ao lugar de pacificador nacional e defensor das instituições. Isso foi amplamente reconhecido pela sociedade”, diz o cientista político.

Escolha dos ministros ajudou a criar um ‘clima de paz’

Um ponto elencado como acertado pelos pesquisadores consultados por CartaCapital foi a escolha de ministros pelo governo Lula. Para eles, apesar do petista ser figura central na instalação deste clima de paz, ele conseguiu reduzir ainda mais pressões ao dividir espaços na Esplanada, em especial em áreas ligadas aos militares ou que tradicionalmente já eram ocupadas pelo Centrão.

“Eu acho que ele escolheu os ministros adequadamente para isso”, avalia Medeiros. “Os nomes foram bem aceitos, tanto que não tivemos grandes problemas. Aliás, o José Múcio [da Defesa] até teve após a omissão dos militares na tentativa de golpe, mas ficou no cargo por esta proximidade dele com o grupo [de militares]”.

Chaloub também destaca a importância do papel de Alexandre Padilha, que comanda a pasta de Relações Institucionais, na criação deste clima positivo. “O Padilha está tendo que lidar com um cenário que Bolsonaro praticamente terceirizou o comando político do governo no Congresso na figura do Lira. Então, ele teve que retomar do zero essa figura de ministro articulador e enfrentar a resistência do modelo criado pelo governo anterior”, descreve. “Não é fácil e o governo está conseguindo recuperar o espaço dessa figura”, analisa.

Ele faz elogio semelhante a Rui Costa, da Casa Civil, vem, na sua visão, cumprindo bem o papel de organizador de relações entre os ministros.

‘Não tirar poder de Lira foi um erro, mas era inevitável’

Apesar das linhas gerais serem positivas, circula entre integrantes do PT a avaliação de que a relação com o Congresso poderia ser melhor se Arthur Lira (PP-AL) não tivesse poderes tão concentrados na Câmara.

Um integrante da bancada petista, reservadamente, avalia que o apoio do partido – e consequentemente do governo Lula – a Lira na eleição da Casa deu ainda mais forças ao Centrão, o que dificultaria, na sua visão, a formação da base e, por vezes, coloca Lula ‘como refém’ do Congresso.

“Num cenário ideal não teríamos apoiado Lira. Considero que Lula não ter conseguido tirar o poder dele foi um erro que dificultou a relação do governo com o Congresso, gerou atrito entre aliados e ainda não trouxe votos suficientes. Nesse ponto, ficamos quase como um refém do Lira e do Centrão, tendo que ceder em alguns momentos”, relatou. “Foi um erro, mas era um erro inevitável”, pondera em seguida.

Medeiros avalia, porém, que a relação de Lula com Lira hoje não pode ser classificada como um erro do ponto de vista institucional, mas sim um problema de ordem política.

“O problema hoje é Lira querer manter o padrão funcional que o bolsonarismo concedeu a ele. Isso é um desafio mesmo, não é um problema do ponto de vista institucional, mas é do ponto de vista político”, defende. “A questão é que hoje o poder do presidente da Câmara está inflado e as instituições ainda não conseguiram achar uma saída para fazer voltar ao que era”.

Para o professor, como do ponto de vista institucional, Lula tem feito os contatos e negociações necessárias para fazer avançar sua base no Congresso, o real impacto político deste poder acumulado de Lira será medido pelo andamento das votações na Casa, em especial, dos projetos prioritários, como a âncora fiscal e a reforma tributária.

Comunicação é o principal erro

Mesmo com a boa avaliação geral indicada pelas fontes consultadas por CartaCapital, um erro não passa despercebido aos olhos dos analistas: a comunicação do governo federal. A percepção é de que o setor comandado por Paulo Pimenta ‘parou no tempo’, o que impõem dificuldades de Lula com a imprensa e com a massa da população.

A avaliação é compartilhada tanto por estudiosos, quanto por integrantes do partido. O mesmo deputado que teceu comentários sobre a relação de Lula e Lira também aponta os problemas na condução de Pimenta na pasta.

“Na minha visão – e de muitos aliados – o governo não está conseguindo se comunicar. As informações demoram para sair e, quando saem, saem desencontradas. Temos deixado primeiro a imprensa bater, para só depois de apanhar tentar explicar”, lamenta o parlamentar.

“A mídia já não tem simpatia pelo governo, a demora [para se comunicar] só reforça esse problema”, insiste. “Acaba que às vezes tem que dizer que o jornal está mentindo, cria uma inimizade, quando isso não aconteceria se a comunicação tivesse passado todas as informações”.

Chaloub também aponta a comunicação como a principal falha de Lula nestes 100 dias de governo. Para ele, o governo tem seguido um modelo que funcionou nos dois primeiros mandatos do PT, mas que deixou de estar em voga com a chegada das redes sociais.

“Lula está acostumado a esperar um conflito acontecer – às vezes até entre aliados – para surgir, dias depois, como um mediador. Então, nessa lógica, a posição do presidente demora”, descreve.

“Primeiro ele deixa o debate ocorrer para depois apresentar sua solução. Isso funcionava, mas as redes sociais não dão mais esse tempo ao Poder Público. As coisas acontecem e circulam rapidamente, se o governo não se posicionar neste curto período, cria-se uma crise institucional que precisa ser contornada. O que já aconteceu”.

Lula ‘não erra’ ao atacar juros altos e Roberto Campos Neto

A cruzada pública que Lula e integrantes de seu governo têm travado contra a taxa de juros de 13,75% fixada pelo Banco Central, para as fontes consultadas pela reportagem, não foram classificadas como um erro.

“Minha hipótese é de que existe ainda um sentimento antissistema muito difundido, a vitória de Lula não apagou isso. Bolsonaro pegava esse sentimento e direcionava contra as instituições, em especial contra o Judiciário. Minha hipótese é de que Lula tenta mostrar para esse povo que está com raiva do sistema que existe um setor desse sistema que ele combate e esse setor, agora, é o Banco Central”, explica Medeiros.

“Ele escolheu, na minha opinião acertadamente, o Banco Central para mostrar que faz esse enfrentamento do sistema. O último Datafolha mostrou o acerto dessa estratégia, quando 80% apoiam a pressão que Lula está fazendo sobre o Banco Central”, completa.

Para Chaloub, ainda que parte da mídia hegemônica tente comparar os ataques de Lula a Roberto Campos Neto com as ofensas proferidas por Bolsonaro contra ministros do Supremo Tribunal Federal, a ação, ‘nem de longe’ poderia ser relacionada.

“Não é nem comparar banana com laranja é comparar elementos de universos completamente distintos”, inicia o professor. “Uma coisa é questionar a linha econômica, a política monetária usada pelo Campos Neto no BC. A crítica política é válida. Outra coisa é proferir ofensas cheias de ameaças democráticas, como não cumprir decisões do STF, como fazia Bolsonaro. Ele estava o tempo todo em uma trajetória rumo a um golpe de Estado e Lula não segue esse caminho quando fala do BC.”

Carta Capital

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