O atual Tribunal Superior Eleitoral é um pesadelo para a extrema-direita. Acaba de cassar o deputado Deltan Dallagnol (Pode-PR), ex-chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba. Agora, prepara-se para degolar Jair Bolsonaro, com um julgamento que tem tudo para terminar com a retirada, por oito anos, do direito de o ex-presidente voltar a disputar eleição.
É um cenário que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do capitão até o ano passado, diz que acha até bom. Para ele, Bolsonaro seria melhor como cabo eleitoral do que como candidato.
O julgamento à vista é o de uma ação movida em agosto de 2022, quando a campanha presidencial já estava em curso. O PDT acusou Bolsonaro de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Baseava-se na pregação do capitão contra o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Foi algo que Bolsonaro fez, por exemplo, em uma reunião com embaixadores de países estrangeiros em 18 de julho, no Palácio da Alvorada, transmitida pela TV pública federal. Essa reunião está no centro da ação.
Nos bastidores do TSE, comenta-se que o corregedor-geral da corte, ministro Benedito Gonçalves, prepara um voto contundente e robusto, de mais de 400 páginas, a favor de considerar Bolsonaro culpado da acusação. Como o réu não se elegeu, não pode ser punido com cassação do mandato. Mas pode ter os direitos políticos retirados por oito anos.
Seria uma decisão tomada em tempo recorde neste tipo de caso. Recorde-se que o TSE levou três anos para julgar uma ação movida pelo PSDB contra a chapa Dilma Rousseff e Michel Temer na eleição de 2014 e que só foi julgada três anos depois. O resultado foi a absolvição da chapa por 4 votos a 3.
O que se desenha hoje é uma derrota de Bolsonaro por 5 a 2. Diferentemente de outros tribunais, o TSE tem uma composição que muda com frequência. Dos sete membros titulares, três são do Supremo Tribunal Federal (STF), dois são do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois são advogados. O mandato de cada um é de dois anos, podendo ser renovado por mais dois.
Nos últimos dias, venceram os mandatos dos membros-advogados, Sérgio Banhos e Carlos Horbach. Ambos chegaram à corte em 2017, indicados por Temer, mas para ficar no banco de reservas, que também tem sete cadeiras. Foi com Bolsonaro que se tornaram ministros-titulares.
Em um sábado de outubro de 2021, às vésperas de se tornar titular, Horbach encontrou o capitão no Palácio da Alvorada às escondidas. É o que se soube, através da Folha, com a quebra do sigilo comunicacional do então ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência, o tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid. O militar havia recebido uma mensagem a respeito do encontro escrita pelo então chefe de gabinete de Bolsonaro, Célio Faria.
Os substitutos de Horbach e Banhos serão indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um deles já é dado como certo em Brasília. Será o professor de Direito Floriano de Azevedo Marques, ex-diretor da Faculdade de Direito da USP. Um nome escolhido por um acordo do governo Lula com o comandante do TSE, Alexandre de Moraes, de quem Azevedo Marques é amigo.
A outra escolha deve ser uma mulher. No páreo, há três advogadas, conforme comenta-se em Brasília. Marilda Silveira, assessora especial do ministro da Justiça, Flavio Dino. Gabriela Araújo, esposa do ex-presidente do PT paulista Emídio de Souza e amiga da primeira-dama, Janja da Silva. E Edilene Lobo, de Minas Gerais.
Com a designação de uma dessas três advogadas e a de Azevedo Marques, haverá uma sólida maioria no TSE contra Bolsonaro a juntar ainda Moraes, Gonçalves, que é do STJ, e Carmen Lúcia, que é do STF. A favor do ex-presidente, ficariam Nunes Marques, que chegou ao Supremo pelas mãos do capitão, e Raul Araújo, outro do STJ, que é tido como simpatizante do ex-presidente.
Araújo assumirá em novembro o lugar de Gonçalves como corregedor. A Corregedoria é quem cuida de ações que pedem a cassação de candidato presidencial. O cargo é sempre exercido no TSE por um ministro do STJ, em um rodízio anual. Caberia a Araújo cuidar da ação do PDT contra Bolsonaro, depois do mandato de Gonçalves. E, nessa função, ele poderia cozinhar o assunto em banho-maria. Eis uma das razões para sugerir que Moraes, o comandante do TSE, logo colocará o processo na pauta do plenário.
Depois de o julgamento começar, Nunes Marques e Araújo poderiam pedir vistas do caso, ou seja, mais tempo para pensar, o que automaticamente adiaria a decisão. Foi para impedir que uma manobra pró-Bolsonaro desse tipo adiasse a decisão indefinidamente, que Moraes levou o TSE a aprovar, em fevereiro, uma medida interna que limita a 60 dias o tempo máximo de um pedido de vistas.
Mesmo que Nunes Marques e Araújo peçam vistas um depois do outro, ou seja, consigam protelar as coisas por 120 dias, e mesmo considerando-se o recesso de julho do tribunal, seria possível o tribunal concluir o julgamento da degola de Bolsonaro antes do fim do mandato de Gonçalves como corregedor. Isso, na hipótese pautar o julgamento nos próximos dias.
E não importa que haja mais 15 ações contra o capitão no tribunal. Na Justiça Eleitoral, as penas dos condenados não se somam. Basta retirar os direitos políticos de Bolsonaro uma vez, por oito anos, que ele ficará fora das urnas nas próximas eleições. Condená-lo mais 15 vezes não ampliaria a punição para além de oito anos.
Depois de Dallagnol e Bolsonaro, outro representante da extrema-direita que provavelmente terá de acertar contas com o TSE é o senador Sérgio Moro, ex-juiz da Lava Jato. O PL, partido do capitão, pede a cassação dele por irregularidades na campanha. O caso está na Justiça Eleitoral do Paraná, e se esta absolver o ex-juiz, como fez com Dallagnol, o processo chegará ao TSE.
Até lá, porém, Moro pode ter mais sorte. Em algum momento a partir do ano que vem, a composição da corte mudará, e aí a maioria sólida contra Dallagnol (7 a 0 pela cassação dele) e contra Bolsonaro (5 a 2, pelo que se desenha), poderá não existir mais.
Carta Capital