O governo esticou ainda mais a corda, ao vetar, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, diversos dispositivos relacionados à previsão de gastos com emendas de deputados e senadores. O Congresso, que já vinha ressentido com a edição da Medida Provisória (MP) da reoneração da folha de pagamentos, na semana passada, não reagiu bem à derrubada dos itens incluídos pelo relator Danilo Forte (União-CE), que davam mais poderes aos parlamentares sobre o Orçamento.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, ontem, a LDO de 2024, mas impôs 34 vetos. Entre os itens mais polêmicos está o que criou o calendário para liberação e pagamento das emendas feitas por deputados e senadores individualmente e também as de bancada estadual.
Ao justificar o veto à criação do cronograma, a mensagem do presidente Lula afirmou que a emenda “atingiria diretamente a gestão da execução orçamentária e financeira do Poder Executivo federal, sem previsão constitucional expressa”. Além disso, iria de encontro “ao primado de que o Poder Executivo federal estabelece o cronograma financeiro de desembolso”, na contramão da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O polêmico item do artigo 85 da LDO, que estabelecia o mínimo de a 0,9% da Receita Corrente Líquida (RCL) do ano de 2022 para emendas de iniciativa de comissões permanentes da Câmara e do Senado, também foi suprimido por Lula. A justificativa argumenta que não há “autorização constitucional para patamar mínimo para tais espécies de emendas.”
Em outro ponto, Lula retirou da LDO o item que dava o prazo máximo até 30 de junho para o pagamento de transferência da União diretamente aos estados, para programas ligados à saúde e assistência social, dentro da modalidade fundo a fundo. “O preceito atingiria diretamente a gestão da execução orçamentária e financeira do Poder Executivo federal sem previsão constitucional expressa”, informou a justificativa do veto.
O relator Danilo Forte foi o primeiro a se manifestar contrariamente aos vetos do presidente Lula. Em uma longa nota à imprensa, o deputado disse, entre outras coisas, que “será possível reverter os vetos citados de maneira a preservar os avanços institucionais, políticos, sociais e econômicos presentes na peça orçamentária”.
Cabo de guerra armado
O relator argumenta que a criação do cronograma buscou “fortalecer a autonomia do Legislativo”. No entender de Forte, o dispositivo traria “maior equidade e previsibilidade a parlamentares e aos prefeitos, que são os que mais sofrem com os critérios subjetivos de liberação dos recursos”.
Se quiser vencer esse cabo de guerra, a base aliada de Lula não poderá esperar o fim do recesso para iniciar o corpo a corpo com seus pares. Essa é a análise de especialistas ouvidos pelo Correio. “Do ponto de vista técnico, os argumentos do presidente Lula para os vetos são bastante razoáveis. Mas a derrubada do veto é um ato político. O Legislativo vem ganhando proeminência nos últimos anos e quer avançar no controle do Orçamento”, observou o economista Murilo Viana, especialista em contas públicas, consultor sênior da GO Associados.
André Pereira César, cientista político da Hold Assessoria Legislativa, recorda que “o governo não tem base significativa no Congresso”, por isso precisará do empenho dos seus interlocutores desde já. “Não há dúvida de que o Congresso vai partir para cima. Por isso, os líderes da base precisam disparar os seus telefonemas imediatamente. Não podem esperar até fevereiro”, disse César. Ele lembrou que o governo pode usar como argumento para o convencimento, o fato de que a ausência do cronograma é benéfico para o próprio Parlamento, uma vez que as emendas são uma importante “moeda de troca” nas negociações dos líderes partidários com o governo.
Lula também derrubou algumas emendas relacionadas às chamadas pautas de costumes, como a que impediria o financiamento de invasão ou ocupação de propriedades rurais privadas; ações tendentes a influenciar crianças e adolescentes, da creche ao ensino médio, a terem opções sexuais diferentes do sexo biológico; ações tendentes a desconstruir, diminuir ou extinguir o conceito de família tradicional, formado por pai, mãe e filhos; cirurgias em crianças e adolescentes para mudança de sexo; e realização de abortos, exceto nos casos autorizados em lei.
“O dispositivo traz, na LDO, regra para vedar geração de despesas que, direta ou indiretamente, promovessem, incentivassem ou financiassem várias condutas aleatórias, impertinentes em relação ao que costumeiramente constam em leis de diretrizes orçamentárias. Isso, por si, evidencia a violação ao comando normativo orçamentário”, afirmou Lula em sua mensagem, apontando que essas emendas contrariam a Constituição Federal.
CB