O desembargador André Oliveira da Silva Guimarães, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE), determinou ao Sindicato dos Servidores da Fundação de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (Sindshemope) que suspenda imediatamente a paralisação deflagrada em 3 de maio e promova o retorno ao trabalho dos servidores. A pena pelo não cumprimento da decisão, emitida nesta sexta-feira (5), é de multa diária de R$ 30 mil.
A determinação atendeu a pedido da Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco (PGE-PE). Em sua decisão, o desembargador avalia que os documentos apresentados pela Procuradoria atestam que a paralisação dos servidores do Hemope foi deflagrada “ao arrepio das disposições da Lei nº 7.783/89, aplicável aos servidores públicos, quer por ter sido estipulada por prazo indeterminado em área estratégica da saúde pública, quer por haver reduzido o número de atendimentos a 30%, por demais insuficiente ao atendimento da demanda”.
Segue a íntegra da decisão:
Dados do Processo
Número 0001936-22.2017.8.17.0000 (474865-6)
Descrição PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
Relator ANDRÉ OLIVEIRA DA SILVA GUIMARÃES
Data 05/05/2017 10:13
Fase DEVOLUÇÃO DE CONCLUSÃO
Texto CORTE ESPECIAL PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Nº 0001936-22.2017.8.17.0000 (0474865-6) AUTORA: FUNDAÇÃO DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA DE PERNAMBUCO RÉU: SINDICATO DOS SERVIDORES DA FUNDAÇÃO DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA DE PERNAMBUCO HEMOPE – SINDSHEMOPE
RELATOR: Des. ANDRÉ OLIVEIRA DA SILVA GUIMARÃES
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA/ OFÍCIO Nº 34 /2017/GDAG Cuida-se de ação declaratória de ilegalidade de greve cumulada com obrigação de fazer e não fazer, munida de pedido de tutela provisória, intentada pela FUNDAÇÃO DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA DE PERNAMBUCO em face do SINDICATO DOS SERVIDORES DA FUNDAÇÃO DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA DE PERNAMBUCO HEMOPE – SINDSHEMOPE. A favor de sua pretensão, afirma a autora que a paralisação por tempo indeterminado deflagrada pelo réu a partir do dia 03/05/2017 se encontra eivada de ilegalidade, porquanto há de causar enorme prejuízo a uma população estimada de vinte e sete milhões de brasileiros, colocando em risco a vida de um sem-número de pacientes. Aduz que a greve não tem razoabilidade, considerando que a categoria, nos últimos dez anos, teve, dentre concessões outras, um inequívoco ganho real de 137,13% na remuneração média, a qual passou de R$1.156,42, em 2007, para R$ 2.742,26, em 2016. Alega que no mesmo período a inflação verificada pelo IPCA/IBGE foi de 83,32%. Assevera que a categoria exerce atividade considerada essencial (serviço de saúde) e, por isso, o movimento contraria o interesse público. Pede tutela de urgência, a fim de que o sindicato demandado suspenda imediatamente a paralisação, promovendo o imediato retorno de seus filiados às atividades, até o julgamento definitivo desta demanda. Decido. De início, cumpre ressaltar que a Fundação Hemope, responsável pela prestação dos serviços públicos concernentes à transfusão sanguínea, ao diagnóstico e ao tratamento das doenças do sangue, desenvolvendo ainda o ensino e a pesquisa, desempenha, iniludivelmente, serviço público de inegável importância, na medida em que se afigura estratégico para a saúde pública. O serviço público de saúde se encontra plasmado no rol numerus apertus de serviços essenciais do art. 10 da Lei nº 7.783/89, in verbis: Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II – assistência médica e hospitalar; III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV – funerários; V – transporte coletivo; VI – captação e tratamento de esgoto e lixo; VII – telecomunicações; VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais; X – controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária. Volto-me aos autos. Com efeito, os documentos acostados atestam que o movimento paredista iniciado pelos servidores do HEMOPE no dia 03/05/2017 foi deflagrado ao arrepio das disposições da Lei nº 7.783/89, aplicável aos servidores públicos, quer por ter sido estipulada por prazo indeterminado em área estratégica da saúde pública, quer por haver reduzido o número de atendimentos a 30%, por demais insuficiente ao atendimento da demanda. Com a redução drástica do atendimento à população, necessidades inadiáveis da comunidade restaram seriamente vulneradas, patenteando-se a ofensa ao art. 11 da lei regente: Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Não se olvide que estamos diante de greve que põe em periclitância o bem jurídico de proteção sobranceira pelo Estado de Direito – a vida, que deve prevalecer diante do direito individual à greve. A respeito da relativização do direito constitucional de greve quanto aos serviços públicos considerados essenciais, trago à baila o entendimento do Excelso STF: EMENTA: RECLAMAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. POLICIAIS CIVIS. DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. SERVIÇOS OU ATIVIDADES PÚBLICAS ESSENCIAIS. COMPETÊNCIA PARA CONHECER E JULGAR O DISSÍDIO. ARTIGO 114, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIREITO DE GREVE. ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEI N. 7.783/89. INAPLICABILIDADE AOS SERVIDORES PÚBLICOS. DIREITO NÃO ABSOLUTO. RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO DE GREVE EM RAZÃO DA ÍNDOLE DE DETERMINADAS ATIVIDADES PÚBLICAS. AMPLITUDE DA DECISÃO PROFERIDA NO JULGAMENTO DO MANDADO DE INJUNÇÃO N. 712. ART. 142, § 3º, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO. AFRONTA AO DECIDIDO NA ADI 3.395. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA DIRIMIR CONFLITOS ENTRE SERVIDORES PÚBLICOS E ENTES DA ADMINISTRAÇÃO ÀS QUAIS ESTÃO VINCULADOS. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o MI n. 712, afirmou entendimento no sentido de que a Lei n. 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, é ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis, mas ao Poder Judiciário dar concreção ao artigo 37, inciso VII, da Constituição do Brasil, suprindo omissões do Poder Legislativo. 2. Servidores públicos que exercem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública e à segurança pública, à administração da Justiça — aí os integrados nas chamadas carreiras de Estado, que exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária — e à saúde pública. A conservação do bem comum exige que certas categorias de servidores públicos sejam privadas do exercício do direito de greve. Defesa dessa conservação e efetiva proteção de outros direitos igualmente salvaguardados pela Constituição do Brasil. 3. Doutrina do duplo efeito, segundo Tomás de Aquino, na Suma Teológica (II Seção da II Parte, Questão 64, Artigo 7). Não há dúvida quanto a serem, os servidores públicos, titulares do direito de greve. Porém, tal e qual é lícito matar a outrem em vista do bem comum, não será ilícita a recusa do direito de greve a tais e quais servidores públicos em benefício do bem comum. Não há mesmo dúvida quanto a serem eles titulares do direito de greve. A Constituição é, contudo, uma totalidade. Não um conjunto de enunciados que se possa ler palavra por palavra, em experiência de leitura bem comportada ou esteticamente ordenada. Dela são extraídos, pelo intérprete, sentidos normativos, outras coisas que não somente textos. A força normativa da Constituição é desprendida da totalidade, totalidade normativa, que a Constituição é. Os servidores públicos são, seguramente, titulares do direito de greve. Essa é a regra. Ocorre, contudo, que entre os serviços públicos há alguns que a coesão social impõe sejam prestados plenamente, em sua totalidade. Atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça — onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária — e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito. Serviços públicos desenvolvidos por grupos armados: as atividades desenvolvidas pela polícia civil são análogas, para esse efeito, às dos militares, em relação aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve [art. 142, § 3º, IV]. 4. No julgamento da ADI 3.395, o Supremo Tribunal Federal, dando interpretação conforme ao artigo 114, inciso I, da Constituição do Brasil, na redação a ele conferida pela EC 45/04, afastou a competência da Justiça do Trabalho para dirimir os conflitos decorrentes das relações travadas entre servidores públicos e entes da Administração à qual estão vinculados. Pedido julgado procedente. (Rcl 6568, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 21/05/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009 EMENT VOL-02375-02 PP-00736) Destarte, do entendimento do colendo STF, se pode depreender que, se mesmo abstratamente uma interpretação sistemática da Constituição, dos princípios de Direito Público e da Lei nº 7.783/89 recomenda que o servidor no desempenho de serviço essencial seja privado do direito de exercer a greve, ainda com mais razão se deve obstar tal direito quando exercido à margem da razoabilidade, do bem comum e dos requisitos legais, como parece verificar-se na hipótese, na medida em que atinge diretamente a prestação dos serviços de saúde pública. Assim, concluo que, neste juízo de cognição sumária, se fazem presentes os requisitos necessários à concessão da tutela de urgência, previstos no art. 300 do NCPC, de modo que a defiro em parte, em ordem a determinar que o sindicato demandado suspenda imediatamente a paralisação ora em andamento, promovendo o imediato retorno de seus filiados às atividades, sob pena de multa diária de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Cite-se o réu para, querendo, oferecer resposta aos termos da presente ação, no prazo legal. Decorrido o prazo para resposta, remetam-se os autos à Douta Procuradoria de Justiça para ofertar opinativo. Cumpra-se. Publique-se. Recife, 04 de maio de 2017. Des. ANDRÉ Oliveira da Silva GUIMARÃES Relator ESTADO DE PERNAMBUCO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete Des. André Oliveira da Silva Guimarães 4 Ação Ordinária 474865-6 (02) PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO Gabinete Des. André Oliveira da Silva Guimarães Ação Ordinária 474865-6 (02)